
Maria da Conceição Tavares na capa da revista Carta Capital
Lula: coração popular, emoção popular e mente brilhante
Amiga de Dilma e Serra, a economista portuguesa Maria da Conceição Tavares, figura nacional no Brasil, vota Dilma. E explica porque acha que Lula é um líder sem par.
(...)
Existe a ideia de que a Dilma é uma construção do Lula, alguém que não tem personalidade própria.
Isso é uma bobagem. O que ela não tem é o conhecimento político do Lula. Mas foi ministra de Minas e Energias, um sector pesado, em plena crise de energia eléctrica — herança da política boba do Fernando Henrique —, e foi Chefe da Casa Civil, uma casa política. E está com ele [Lula] todos os dias. Tem aprendido com ele tudo o que há para aprender sobre o Brasil. É evidente que sem ele não teria chance. O Serra já foi candidato a várias coisas, ela não. Então, o facto de ser apoiada pelo Lula ajuda. Não bastava o PT. O PT não tem peso suficiente para fazê-la ganhar. Quem tem é o Lula, uma figura política como nunca ocorreu no país. Para dizer a verdade, pouco ocorreu no mundo.
No vídeo em que apoia à Dilma diz: não sigam a propaganda das grandes empresas, o Brasil tem de fazer as pazes com o povo, não pode ficar só votando para os 10 ou 20 por cento de cima, e a mulher do povo é a Dilma. Acha que existem dois Brasis, essa faixa de cima que é anti-Lula e o Brasil do povo?
Acho. Tranquilamente.
E isso está a manifestar-se de novo nesta eleição?
De novo. Agora, tem a classe média, que vai para cá ou para lá, conforme a conjuntura.
A classe média que ascendeu nos últimos anos?
A que ascendeu foi a média-baixa. A média-alta, não. E essa é que tem muita raiva do Lula e não vai votar na Dilma.
Nessa faixa média alta, o Lula é frequentemente descrito como um ignorante, ou um populista.
Primeiro, não é populista porque é do povo. Populista seria um cara da elite que estivesse manipulando o povo. Ele ascendeu do povo, e foi sendo feito pelo povo. Depois, ignorante, coisa nenhuma. O Lula sabe mais do Brasil do que ninguém. E sabe mais de economia aplicada, prática, do que ninguém. Já é candidato desde 1989. Então, na primeira derrota fez o Instituto de Cidadania, uma espécie de ONG, e convidava todos os intelectuais. Eu conhecia-o de vista, mas aí passei a ser assessora dele. Eu, uma série de economistas progressistas, filósofos, sociólogos.
Era uma espécie de academia informal?
Claro. De maneira que ele fez uma “universidade” que durou de 1989 a 2002.
Como “aluno”, como era?
Ah, brilhante, brilhante. Tem uma memória prodigiosa. E quando havia discussão académica e ele percebia que as questões estavam resvalando, não deixava. Ele vai no gume. Tem um sentido de oportunidade muito afiado, uma mente muito lógica. Isso é que é impressionante. Tem um coração popular, uma emoção popular, mas a cabeça dele é totalmente lógica. É dos homens mais inteligentes que conheci. Se não o mais.
Diria que o Lula é talvez o homem mais inteligente que conheceu?
Sem dúvida. E não apenas politicamente. É uma inteligência nata. É um génio do povo. Nós tivemos um génio do povo. Se não, não teria chegado lá. Você acha que alguém vindo de onde ele veio, com as dificuldades que teve, chega a presidente? Não. Ele é um génio do povo, mesmo, e impressiona qualquer um.
A senhora tem uma frase que é: “O Lula é o maior intelectual orgânico do Brasil.”
Os intelectuais como eu são clássicos. E ele é orgânico. Interpreta e representa organicamente o povo brasileiro.
Não tem nada a ver com um Hugo Chávez?
Não, imagina! O Chávez é de origem militar. Ao Chávez é que se podia chamar populista, embora eu o ache mais uma espécie de caudilho ilustrado.
E o Lula não tem nada de caudilho [líder carismático e autoritário]?
Não, que caudilho! Ele jamais faz apelos carismáticos. Ele fala com o povo, ou com quem quer que seja, de igual para igual. Faz piada, faz humor.
É um deles?
É um deles. Mas também quando se encontra com a classe média é como um de nós. Não tem complexo de inferioridade, nem de superioridade.
Não tem ressentimento, é isso?
De nenhuma espécie. E não gosta que fiquem elogiando ele de mais. É muito lúcido. Como a lucidez é uma característica da inteligência analítica, ele tem uma inteligência analítica poderosa. E como é do povo, eu digo que é orgânico.
A senhora escreveu que ele foi quem mais avançou na “republicanização do Brasil”. No sentido de democratização?
É. Porque está dando voz ao povo. A preocupação dele é tornar cidadãos os que estão à margem. E não com palavras, com factos. Indo até eles, dando-lhes direitos, com a preocupação de que as políticas sociais sejam para incorporação. O Lula, entre as derrotas, fez várias viagens ao Brasil inteiro, chamadas Caravanas da Cidadania. A palavra que escolhe sempre é cidadania. Por isso digo que é republicanização. O que ele quer é que todos os brasileiros tenham cidadania, possam-se expressar, ter direitos. Quer acabar com os dois Brasis, em resumo. Quer fazer disto uma nação.
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